Numa decisão inédita na justiça brasileira, em razão da polêmica que o tema desperta, do ponto visto jurídico e social, o juiz Luiz Cândido de Andrade Villaça, da comarca de Taipu, acatando pedido da mãe, autorizou a retirada dos órgãos de feto anencéfalo para doação, após o seu nascimento, em tempo normal. Anteriormente, a mãe solicitava do magistrado autorização para abortamento do feto, mas, no decorrer do processo, recuou e optou pela doação dos órgãos, a qual foi acolhida pelo juízo.
Na mesma decisão, o Juiz determina que o Estado do Rio Grande do Norte, através de sua Central de Transplantes, adote todas as providências necessárias para que o feto anencéfalo tenha, tão-logo nasça, seus órgãos retirados para transplante.
Quanto a mudança do pedido da mãe, de abortamento para doação, o juiz Luiz Cândido de Andrade Villaça, destaca que a requerente, apesar de bastante jovem, demonstrou muita maturidade e desenvolvimento psicológico quando, num momento de inimaginável angústia, conseguiu visualizar com preponderância a situação de outras pessoas que, em tese, podem ser salvas. O Magistrado diz não ter conhecimento de tal atitude, bem como, de decisão semelhante nos anais do judiciário brasileiro.
Fato polêmico Inicialmente, a mãe entrou na Justiça, na comarca de Taipu, com pedido de alvará para obtenção de autorização judicial para abortamento de feto com malformação congênita incompatível com a vida (anencefalia). Em razão disso, o juízo determinou realização de perícia que confirmou a anomalia do feto; também foi feito atendimento psicológico.
No entanto, antes da manifestação do Ministério Público, a requerente se retratou e requereu que o juízo desse condições para que fosse possível a doação dos órgãos do feto.
O pedido de aborto em caso de feto anencéfalo, é um tema sempre polêmico.
Segundo o Magistrado, há quem entenda pela possibilidade de se autorizar o abortamento do feto anencéfalo, dada a inquestionável incompatibilidade com a vida. Há quem, pelo contrário, interpreta a Constituição e visualiza a completa impossibilidade de o Poder Público chancelar pedidos dessa natureza.
Porém, o juiz Luiz Cândido considera que a questão apreciada trata a questão sob novo enfoque. Isso porque, o pedido formulado é no sentido de que o Estado-juiz, com o seu deverpoder, possibilite o acesso da requerente ao serviço público de doação de órgãos para que seu sacrifício não seja em vão. Reconhece nunca ter ouvido falar de situação semelhante e considera que, a rigor, sequer haveria necessidade de provimento jurisdicional nesse sentido, haja vista a obrigação constitucional e legal do Estado fornecer gratuitamente o serviço de transplante.
Porém, entende o Magistrado que, como o nascituro tem anencefalia e existem diversas discussões médicas - no campo da ética - acerca da aplicabilidade do conceito de morte cerebral à esse grupo de indivíduos, é necessário que seja emitido comando judicial para prevenir debates de última hora que culminem na impossibilidade de aproveitamento dos órgãos.
O juiz Luiz Cândido ressalta que a questão é no sentido de, quem pode o mais, pode o menos. E sustenta: se o Estado-juiz pode emitir comando que autoriza, pura e simplesmente, a interrupção da gestação do feto com a anomalia descrita na inicial, com muito mais razão, haja vista a homenagem justa que se faz à vida, pode determinar, com o consentimento da mãe, a retirada dos órgãos do feto logo após o seu nascimento, com a finalidade de transplante.
LEI DE AMOR
Ao analisar o gesto da requerente, o Magistrado ressalta que somente o amor e a capacidade extrema de fazer o bem conseguem explicar a atitude da mãe. "Ao invés de pleitear o fim de seu sofrimento numa gestação fadada ao fracasso aparente, optou por perseguir o intuito de salvar a vida de outras pessoas, necessitadas da vida orgânica do seu feto sem possibilidade de vida após o nascimento", fundamentou.
Para justificar sua análise e o gesto da mãe, o juiz Luiz Cândido, faz a citação de trecho de "O Evangelho segundo o Espiritismo" que diz: "O amor resume a doutrina de Jesus toda inteira, visto que esse é o sentimento por excelência, e os sentimentos são os instintos elevados à altura do progresso feito.
Em sua origem, o homem só tem instintos; quando mais avançado e corrompido, só tem sensações; quando instruído e depurado, tem sentimentos [...] A lei de amor substitui a personalidade pela fusão dos seres".
Fonte:
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte
Espiri-tista